Dezenas de pessoas me enviam emails ou falam comigo no Facebook para tirar dúvidas sobre carreira de games.
Essas dúvidas são de todo tipo: desde “o que faz um game designer?” até “Vale a pena largar minha carreira atual e seguir como desenvolvedor de jogos?”.
No artigo de hoje você vai aprender com a Juliana Chavantes um pouco mais sobre como a carreira de games no… Japão!
Eu conheci a Juliana num evento sobre empreendedorismo em Setembro de 2014 e, desde então, nós trocamos ideias e opiniões sobre jogos, arte, cultura e língua japonesa.
Juliana Chavantes é formada em Cinema pela Universidade Federal Fluminense e aficionada por jogos e cultura japonesa desde bem nova. Em sua monografia, discutiu sobre a importância dos efeitos imersivos que a música pode ter nos videogames.
Ao perceber o quanto a Juliana tem para compartilhar sobre jogos e a cultura japonesa, eu prontamente a convidei para escrever uma série de artigos sobre a carreira de jogos no Japão para o Produção de Jogos.
Convite feito e aceito, hoje, com um imenso prazer, eu disponibilizo para você
o primeiro artigo da Juliana sobre a carreira de games no Japão.
Espero que você goste deste artigo tanto quanto eu gostei!
Com vocês, Juliana Chavantes.
Muitos brasileiros são apaixonados pela cultura japonesa. Essa paixão normalmente se origina de 3 expressões artísticas diferentes: animes, mangás e jogos japoneses.
O Japão é um país reconhecido internacionalmente por sua forte cultura de games. Muitos jogos clássicos saíram do Japão, como por exemplo The Legend of Zelda, Super Mario, Pokémon, Metal Gear Solid, Final Fantasy, entre muitos outros.
Com essa forte influência que o Japão exerce no mundo dos jogos digitais, é natural que muitas pessoas sonhem em um dia tentar uma carreira em games (ou ao menos um intercâmbio) no Japão.
Então, neste artigo, que escrevi a convite do Raphael, eu vou falar sobre as 6 principais razões para se tentar uma carreira de jogos no Japão.
Prontos para começar?
1. 日本のゲームが大好きだ! – “Eu AMO jogos japoneses!”
Certamente, esta seria a razão que mais leva uma pessoa a tentar a sorte no Japão. No entanto, deve-se ter a consciência de que o que vemos aqui, no Ocidente, é apenas uma pequeníssima parcela do que realmente é produzido lá. Apenas grandes produtoras são capazes de exportar seus jogos para cá.
O Japão é um grande consumidor de jogos digitais. Há diversos tipos de jogos, capazes de gerar milhões de dólares só dentro do país. É um país praticamente autossustentável no quesito comércio.
Além disso, o Japão é cheio de peculiaridades. Por ter uma cultura tão diferente do ocidente, vários dos jogos produzidos por lá jamais fariam sucesso comercial por aqui. É por isso que vemos tantos jogos japoneses de aparência interessante, mas que jamais virão a colocar seus pés aqui no ocidente.
Sendo assim, você, indo para o Japão, pode vir a se enquadrar em uma dessas duas situações:
I) Trabalhar em uma grande empresa
Imagine-se trabalhando no último lançamento de The Legend of Zelda. Claro, poder trabalhar com sua franquia favorita é empolgante.
Quanto maior a empresa, mais chance de você produzir títulos internacionais, como Mario e Final Fantasy. No entanto, deve-se ter em mente que dias fáceis não serão a maioria e as equipes de desenvolvimento são bem grandes (como consequência, você trabalhará numa parte bem específica do jogo).
Chegando o prazo de entrega, noites viradas em seu escritório e finais de semana sem poder ir para casa serão frequentes. E mais: sua hora extra nem sempre será remunerada, de acordo com seu tipo de contrato e sua posição na equipe.
II) Trabalhar em uma pequena empresa
Este quadro provavelmente será mais tranquilo, pois você não estará numa equipe enorme. Essas empresas são geralmente focadas para o mercado interno e produzem jogos realmente orientados a nichos de audiência asiáticos.
Por exemplo, você poderá se ver fazendo a arte para um jogo que simula encontros com garotas ganguro – ガングロ. Certamente uma experiência incapaz de ser vivida no ocidente.
Trabalhando em empresas pequenas, você poderá se ver tanto produzindo jogos de relativo sucesso quanto ter seus momentos de frustração com um título que ficou esquecido no tempo.
Ao tomar sua decisão sobre em que tipo de empresa trabalhar, tente manter as suas aspirações de acordo com o seu perfil, pois o seu amor por jogos japoneses terá de corresponder a uma expectativa real de rotina.
2. 日本、国民と国を愛している。 – “Eu amo o Japão! As pessoas e o país!”
A cultura japonesa atrai facilmente o olhar de nós, estrangeiros, e pode se tornar a principal razão de querermos ir pra lá.
Mas antes de se aventurar numa estadia prolongada no Japão, você deve se perguntar de que maneira gostaria de aproveitar esta cultura:
- Viajando: Se você possui um trabalho que te permite realizar uma viagem prolongada ao Japão, essa pode ser uma boa maneira de absorver parte da cultura japonesa. É claro que o Japão que você terá contato será o “Japão para turistas”, e dificilmente você chegará a conhecer bem os japoneses e sua maravilhosa cultura;
- Estudando: Você pode desembarcar no Japão como um estudante intercambista. Isso pode ser feito em vários níveis, seja você um simples estudante da língua japonesa ou um estudante de doutorado indo pesquisar no Japão. Nessa opção você com certeza terá um maior acesso a cultura japonesa, pois estará diretamente inserido na rotina de um colégio ou universidade;
- Trabalhando: Tendo um emprego no Japão você irá conviver diretamente com japoneses, enquanto que viajando ou estudando você irá conviver mais com estrangeiros. Essa é, provavelmente, a única maneira de vivenciar uma rotina urbana tipicamente japonesa: Conviver com funcionários japoneses, conversar nos intervalos de almoço ou comer nas lojas de conveniência. A rotina do cidadão assalariado – サラリーマン – japonês.
Pode parecer estranho, mas experimentar a cultura japonesa como um típico japonês assalariado também é uma experiência única. E é justamente este perfil de pessoa que a carreira em jogos pede. Como boa parte do seu tempo será gasta dentro de uma empresa, você precisa se sentir confortável com esse tipo de experiência cultural.
Portanto, se o seu perfil está mais para “viajante” ou “estudante”, talvez tentar um a carreira em jogos no Japão possa ser sacrificante e não corresponder às suas expectativas. Pense bem em que tipo de experiência você busca antes de tomar a sua decisão.
3. 日本の言語を学びたい。- “Eu desejo aprender a língua!”
Ter uma carreira profissional no Japão seguramente se junta ao propósito de aprender a língua. Poucos japoneses falam inglês e, portanto, tentar uma carreira lá sem saber o mínimo da língua japonesa pode ser um desafio a sua sanidade!
De qualquer maneira esta é uma ótima razão! Por o japonês ser tão diferente, é muito difícil sermos expostos à língua. Por mais que você consuma a cultura dos animes, filmes e doramas – ドラマ, não é como estar verdadeiramente imerso.
Aqui no Brasil não é incomum ver pessoas que aprenderam inglês sozinhas, nem que seja só a leitura. No entanto, como o idioma japonês tem uma estrutura de frase exótica ao ocidente, fica realmente difícil aprender por osmose.
O mais recomendado é que você inicie o estudo de japonês no seu país de origem. Já sabendo o básico, terá muito mais segurança para efetivamente conviver com os japoneses. Ainda, poderá continuar seus estudos no Japão durante seu tempo livre.
4. 日本人と統合したい。- “Eu desejo me integrar aos japoneses, ser um japonês!”
Este é um motivo que muita gente não compreende e, por isso, não é tão simples explicar. Primeiramente, vamos olhar para nossa cultura:
Nós, brasileiros, temos o costume de aceitar muito bem os estrangeiros e até mesmo buscamos integrá-los rapidamente à nossa cultura. Não é perfeita a convivência, mas é de conhecimento popular que somos um povo aberto e receptivo.
Agora, vamos um pouquinho para a história do Japão:
Durante 250 anos o Japão foi dominado pelo xogunato Tokugawa. Este período é conhecido como Período Tokugawa ou Período Edo, que durou de 1603 a 1867. Durante este tempo, a dinastia Tokugawa focou grande parte de seus esforços numa política anti-ocidentalista. Em poucas palavras, o Japão se fechou para qualquer influência ocidental, no intuito de preservar sua cultura e hábitos.
Foi a restauração Meiji, em 1868, que deu início à reabertura do Japão, na qual a massiva maioria dos japoneses foram expostos ao ocidente pela primeira vez. Fosse na forma de contato com estrangeiros, objetos ou música.
Se contarmos até aqui, há menos anos com o Japão aberto do que com o fechado!
- Cerca de 250 anos fechado ao ocidente: 1603 – 1867;
- Cerca de 150 anos aberto ao ocidente: 1868 – 2020.
Sim, é justamente nisso que quero chegar: a história de um país não se apaga com uma restauração política. Até hoje, nas áreas mais interioranas do Japão, não é comum a existência de estrangeiros. Fora isso, o Japão é um país culturalmente autossustentável, que absorve a cultura estrangeira de forma a moldá-la aos próprios propósitos.
Querer se integrar nessa grande história pode muitas vezes ser um desafio. Você, indo para lá, vai se deparar com dois quadros:
- Ser visto como alguém de valor, que fez um esforço para sair de seu país e foi vitorioso em sua empreitada (independentemente de sua condição atual). Você será tratado com um respeito algumas vezes exagerado;
- Sofrer xenofobia: Ser taxado pela cor do seu cabelo e da sua pele ou pelo formato dos seus olhos. Ou seja, você irá sofrer racismo.
Em ambos os casos você será lembrado sobre sua condição de gaijin ou gaikokujin – 外人 ou 外国人, literalmente, “aquele que vem de fora”. Seja por ser bem tratado demais ou por ser maltratado.
O Japão possui hábitos e cultura muito particulares, sem falar na alta valorização da hierarquia entre pessoas, frequentemente incompreendida pelo olhar ocidental. São essas e outras razões que impedem os estrangeiros de se integrarem completamente ao povo.
Entretanto, se você não tiver como propósito “educar” um japonês sobre como é “a forma certa de tratar quem é diferente”, sua convivência será muito mais satisfatória. Ainda, quanto mais passam-se os anos, melhor é a aceitação dos estrangeiros, especialmente pelos japoneses mais jovens.
Sendo assim, prepare-se para o que der e vier, e não tente impor sua presença. Conquiste as pessoas aos pouquinhos e procure compreender a história do país. É com esta consciência que se deve tentar qualquer carreira no Japão!
5. 私はまんが、アニメ、ゲームが好きだ。- “Eu gosto de mangás/animes/games!”
Para quem é apaixonado pela cultura pop japonesa, este pode ser motivo suficiente para fazer as malas e partir. De fato, lá é muito mais comum o costume de jogar videogame e de ler mangás. Você irá “beber da fonte” e será exposto a muito mais tentações otakus – おたく – do que em qualquer outro lugar do mundo. É comum ouvir estrangeiros dizerem que “é difícil não gastar dinheiro”, porque a oferta é forte.
Só tenha cuidado com uma questão:
Não vá pensando que seu gosto será amplamente aceito. No Japão, a denominação “otaku” não é vista com bons olhos. É semelhante ao “nerd” daqui: uma pessoa espinhenta, solitária e esquisita. Ou seja, “otaku” é um termo pejorativo. Evite se apresentar como um, a não ser que esteja entre amigos que partilhem da mesma paixão. Aí, sim, solte o verbo para falar sobre o seu anime favorito.
Em resumo, é uma ótima razão ir para o Japão pensando em consumir a cultura pop, só não vá contar isso para todo mundo. Procure preservar a sua imagem de forma neutra, para não destacar mais ainda a sua condição de estrangeiro.
6. 挑戦をやりたい。- “Eu preciso de um desafio! Quero me desafiar indo para o Japão.”
O maior requisito para topar uma mudança de cenário é foco. Se você afirma que quer sair de seu país no intuito de expandir seus horizontes, esta deve ser uma decisão pensada com cuidado, porque você terá de levar em conta a cultura do país visado. Se este país é o Japão, dedicar um tempo longo pensando sobre a questão é fundamental.
Querer se desafiar no Japão em termos de carreira em jogos faz todo o sentido. Como você leu na razão 1, os jogos produzidos lá têm uma variedade muito maior do que aqui, trazendo muito mais estímulo a sua criatividade e capacidade de solucionar problemas.
Estando num país tão excepcional como o Japão, você vai aprender a raciocinar diferente, ver seus problemas de forma diferente. A cultura do trabalho lá é completamente distinta da que temos aqui e você poderá se ver muito mais realizado, já que o respeito ao seu esforço será maior.
Conclusão
Qualquer que seja a sua razão para ir para o Japão, ela será suficiente desde que haja FOCO. Se você está focado em fazer um bom trabalho e em lapidar as suas habilidades, nada poderá te impedir de tentar. Sem dúvidas, obtendo sucesso ou não, seu caráter será cultivado. Você só terá acréscimos a sua vida, tanto profissional quanto pessoal.
Comentários Finais (por Raphael Dias)
E então, gostou do primeiro artigo da série sobre carreira de jogos no Japão?
Antes de finalizar, eu gostaria de ressaltar a importância de ter uma experiência internacional na sua carreira.
Independente do país que você tenha vontade de ir (seja Japão ou algum outro), passar um período longo de tempo em um país estrangeiro vai ter um efeito enorme na sua vida pessoal e profissional.
Eu morei por quase um ano na Escócia durante o meu doutorado (em Física) e a experiência de interagir no dia-a-dia com profissionais de várias partes do mundo me transformou pessoal e profissionalmente.
Portanto, se você tem o sonho de um dia estudar ou trabalhar no Japão, então não deixe esse sonho morrer. Batalhe para conseguir chegar lá, pois todo esforço será recompensado e o resultado será gratificante.
Se você também quer começar a desenvolver jogos, eu sempre recomendo começar dos mais simples para ir ganhando experiência. Eu criei um ebook com uma seleção de 16 jogos simples para você ter como uma referência sobre o tipo de jogo que eu acredito ser ideal para quem está começando.
Além disso, também incluí a quantidade de cópias vendidas de cada um desses jogos (dados reais vazados da Steam). Baixe o ebook gratuitamente no botão abaixo:
Opa,
qual foi a maior sacada que você teve? Conte nos comentários.