Em maio de 2018 aconteceu o GameDevTalks, uma série de encontros online que eu criei e que contou com a participação de diversos nomes importantes da indústria de jogos do Brasil. Foram 4 encontros ao vivo e no total mais de 3.000 pessoas participaram do evento podendo fazer perguntas para os participantes.
Cada encontro possuía um tema e um deles foi “Pergunte ao CEO: Como criar e crescer uma empresa de jogos no Brasil” que contou com a participação do Mauricio Longoni, CEO da Aquiris Game Studio.
A Aquiris é uma das maiores empresas brasileiras de jogos que temos atualmente. Ela ficou mundialmente conhecida com o lançamento do jogo Horizon Chase em 2015, que foi escolhido pela Apple como 6º melhor jogo do ano.
A participação do Mauricio no GamedevTalks foi muito interessante não apenas para quem quer começar uma empresa de jogos, mas para todos os que estão na área de desenvolvimento.
Por isso, trouxe aqui 7 lições que ele compartilhou no encontro que eu achei importantes para qualquer um que deseja entrar ou já está na área de desenvolvimento de jogos.
Preste muita atenção nessas lições, pois elas vêm direto de uma pessoa à frente de uma das principais empresas de games do país.
1. Se você não tem experiência, comece do começo
A primeira recomendação do Mauricio que eu separei é pra quem ainda está começando no desenvolvimento de jogos:
Vamos começar do começo. Ninguém aqui vai fazer o próximo World of Warcraft como seu primeiro jogo, isso não vai acontecer (pode até ter um gênio aí que pode fazer isso, mas é muito difícil).
Minha sugestão é começar do começo, começar pequeno, começar fazendo o que é possível fazer com o conhecimento que se tem e com a equipe que você tem.
Comece fazendo um jogo que caiba dentro do orçamento, do teu escopo e das habilidades da equipe.”
E eu diria que esse é um dos principais erros de quem está começando a entrar no desenvolvimento de jogos: começar grande demais pra sua capacidade atual.
A maior parte de quem quer trabalhar com jogos são pessoas que gostam de jogar ou pelo menos em alguma fase da vida foram impactadas positivamente pelos jogos que jogaram.
E quando pensam em trabalhar com jogos, é normal que já venham com as referências de jogos que gostavam de jogar.
Mas é preciso aceitar que se você não tem experiência, esse jogo não vai sair. Por isso, comece pequeno. Você vai passar por diversos obstáculos nos seus primeiros projetos, então é melhor que sejam localizados em projetos pequenos pra eles conseguirem ter a chance de serem finalizados.
A pior coisa que pode acontecer com um iniciante é entrar no ciclo de desenvolvimento e frustração, onde começa vários projetos e não conseguir terminar nenhum. Isso vai aumentando cada vez mais a frustração e até mesmo pode levar a desistir totalmente de criar jogos.
Para superar isso, eu recomendo o post que eu já escrevi com 3 fatores que te impedem de finalizar um jogo e o que fazer para superá-los.
2. Tenha desapego emocional aos projetos e ideias
Acho que uma das grandes armadilhas de quem está entrando no mercado de jogos, até por ser um mercado que envolve muito emocional, muita paixão pelo que a pessoa quer desenvolver e no jogo que ela quer ver na rua, é que não existe a prática do desapego.
(…)
E pode ser que a tua ideia não seja divertida. Às vezes é difícil de engolir, é difícil de lidar, mas é a realidade.
E na realidade a maioria das ideias são ruins. É muito importante passar por várias ruins até chegar em uma boa.”
Se você quer ter um jogo com alguma chance de ter sucesso comercial, ele precisa ser interessante para várias pessoas. Não basta que você ache a ideia boa, nem que sua mãe, nem seu irmão ou primo achem. Você precisa colocar a ideia no mundo e ver o que mais pessoas acham.
Uma ótima forma de fazer isso é criar protótipos da sua ideia em game jams. Muitos desenvolvedores testam suas ideias em game jams justamente por ter a limitação do tempo. Dependendo do resultado final, se as pessoas acharem a ideia interessante e divertida, eles podem decidir dar prosseguimento ao desenvolvimento ou não.
3. Nunca feche um contrato com publisher ou investidor sem falar com um advogado primeiro
Antes de lançar o Horizon Chase, a Aquiris lançou um outro jogo chamado Ballistic Overkill (que trocou algumas vezes de nome antes de chegar nesse final).
O projeto começou apoiado por uma publisher que em determinado momento cancelou o contrato. Então conseguiram pegar essa IP e trabalhar com uma outra publisher para lançarem como um jogo free-to-play no Facebook.
Foi então que a segunda publisher também cancelou o projeto e eles conseguiram pegar a IP mais uma vez para trabalharem nela. Com isso, decidiram transformar o projeto para um jogo premium e publicar na Steam.
O ponto aqui é que continuar trabalhando nessa IP só foi possível por conta do bom contrato que eles tinham com as publishers.
Segundo o Mauricio:
Quando aconteceram os dois cancelamentos do projeto por parte dos publishers, eles nos permitiram pegar a IP e continuar trabalhando em cima do projeto, então esse foi um cuidado bastante importante na época.
(…)
Eu não recomendaria assinar um contrato de publisher ou com investidor para um jogo sem passar por um advogado.”
4. Não crie um jogo focado no público nacional
Para o Maurício, não faz sentido um projeto de jogo eletrônico que pode ter alcance global ser focado apenas no público nacional:
O mundo hoje é uma coisa só no sentido de consumo de tecnologia. O tipo de tecnologia que você está consumindo em um lugar vai chegar no outro. Então um projeto de jogo, na minha opinião, deve ser mundial”.
Além disso, há a experiência deles com o público brasileiro:
Infelizmente o Brasil hoje não monetiza bem. É um país que joga bastante, mas as pessoas não gastam muito dinheiro com jogo. Essa e realidade do mercado do Brasil, mas é um mercado importante.
Nesse ponto de vista eu acho que é um fator de risco desenvolver um jogo focado no público brasileiro.”
E esse comportamento do público brasileiro não é apenas visto nos jogos da Aquiris. Esse é um comportamento visto por outras empresas e também é mostrado por dados do Global Games Market Report de 2018.
Abaixo eu separei a expectativa de 2018 para número de jogadores e o total de receita de jogos esperado por país e com eles fiz a uma média de receita por jogador no país:
Repare que apesar do Brasil de ter um grande público de jogador, ele é um dos países com a menor média de receita por jogador. Outros países que possuem uma quantidade muito menor de jogadores, apresentam uma média de receita por jogador muito maior (como o Canadá, por exemplo).
O mercado nacional é importante sim, mas são por dados como esse que o Mauricio considera um fator de risco focar apenas no mercado brasileiro (se o seu objetivo é gerar receita com o jogo, claro).
5. Ganhe experiência passando pelo processo completo do jogo várias vezes
A Aquiris teve uma fase de 2007 a 2010 focada na criação de advergames. Depois ainda passou anos criando jogos de entretenimento para empresas como o Cartoon Network antes de lançarem jogos comerciais autorais.
O Horizon Chase foi o primeiro jogo da Aquiris 100% financiado por recursos próprios e publicados por eles próprios, ou seja, não contou com investidores externos nem publishers.
E a experiência que eles ganharam criando esses outros jogos foi de extrema importância segundo o Mauricio:
Para a Aquiris foi muito bom fazer 30 advergames. Isso nos permitiu [no futuro] criar, desenvolver e publicar um jogo completo em dois meses.
Ao ficar 1 ano e meio fazendo um projeto, você passa 1 vez só pela fase de criação e 1 vez pela fase de lançamento. Ao fazer 30 jogos pequenos você vai passar 30 vezes por essas fases e em projetos diferentes. E isso é um aprendizado com muito valor.”
Veja que há diversas abordagens para começar o desenvolvimento de jogos. Você pode decidir criar um jogo maior e levar mais tempo de desenvolvimento ou pode ir criando vários jogos menores. No entanto, como já vimos, começar um projeto grande demais pro seu momento atual é um dos principais erros.
Por isso, começar por projetos mais simples e de curta duração é uma ótima estratégia para você conhecer o processo completo de planejamento, desenvolvimento, publicação e divulgação do seu jogo. Assim você vai ganhando experiência e confiança para começar a trabalhar em projetos maiores.
E se você acredita que projetos “menores” são pouco interessantes, eu recomendo a leitura de um post sobre jogos do tipo puzzle minimalistas. São jogos muitas vezes bem simples de serem criados e com um grande potencial.
6. Importância de ter outros interesses e atividades além de jogos
A visão do Mauricio sobre esse tema é :
A vida não é só jogos mesmo se você trabalha com jogos.”
É muito comum vermos pessoas que trabalham com jogos o dia inteiro e depois ainda passam o tempo livre jogando e fazendo atividades relacionadas a jogos.
O Mauricio fala a sua opinião sobre isso e o porquê é importante ter outros interesses e atividades:
Se você vai trabalhar com jogos, busque outras referências. É importante não só jogar, é importante ler um livro diferente que não seja só ficção científica e ter um hobby que seja outra coisa que não tenha nada a ver com games.
(…)
Tenha uma vida bastante variada porque essas referências que a gente busca de outros lugares são importantes para compor a nossa visão de mundo e ajuda no que a gente vai aplicar nos nossos produtos.”
Essa questão de ter referências externas para criar um produto melhor fica bem clara em diversos jogos. No jogo Mini Metro, por exemplo, os desenvolvedores contaram ao Canaltech que na fase de propor ideias para ver qual jogo criariam, uma delas propunha viajar por um mapa de metrô. Como um dos desenvolvedores havia estado em Londres 1 ano antes e gostou bastante da experiência de planejar sua rota diária pelo metrô, eles decidiram levar essa referência pro projeto.
7. Comece sabendo o que você quer
A última lição que eu separei é para quem está começando, mas também pode servir para quem já está há um tempo na área e se sente perdido tentando fazer de tudo com a sensação que não sai do lugar.
É muito comum esbarramos com pessoas que sabem que querem trabalhar com jogos, mas não têm ideia da área que querem atuar.
Veja o que o Mauricio fala sobre isso:
Muita gente quer trabalhar com jogos e acaba achando que quer ser Game Designer porque acredita que é a área que vai criar a história, vai criar o que é o jogo. E isso é verdade muitas vezes, mas muitas outras o trabalho do game designer é bastante matemático, é bastante técnico.
Então comece encontrando sua área de desenvolvimento, se é arte, game design, áudio, e aí busque uma oportunidade no mercado.”
E é muito comum haver essas dúvidas quando uma pessoa está começando a entrar na área de desenvolvimento de jogos. Por ser um campo multidisciplinar, é possível atuar na criação de jogos em diferentes áreas e isso pode acabar gerando confusão. Por isso, comece conhecendo as áreas do desenvolvimento de jogos e o que é feito em cada uma delas.
Se você ainda não sabe como começar ou já tem uma ideia, mas ainda está perdido nos próximos passos, eu preparei um material que vai te ajudar bastante...
Se você também quer começar a desenvolver jogos, eu sempre recomendo começar dos mais simples para ir ganhando experiência.
Eu criei um ebook com uma seleção de 16 jogos simples para você ter como uma referência sobre o tipo de jogo que eu acredito ser ideal para quem está começando.
Além disso, também incluí a quantidade de cópias vendidas de cada um desses jogos (dados reais vazados da Steam). Baixe o ebook gratuitamente no botão abaixo:
Opa,
qual foi a maior sacada que você teve? Conte nos comentários.